Sou do tempo de esperar o telefone tocar. A verdade é que hoje em dia nem sei mais se é certo dizer "tocar"; eles vibram, chiam, apitam, assobiam, piscam... e nem mais é preciso atender, pode-se apenas ler as mensagens, ouvir os recados, verificar as notificações, todas perfeitamente identificadas, sem um traço de mistério na autoria... As tecnologias evoluem e modificam os processos e atos, mas o efeito permanece e o ponto de partida também: alguém em um determinado momento, tão inesperado quanto previsível, resolve dizer o que estava contido por vergonhas, inadequações ou o simples e angustiante "não saber o que dizer".
Quando acontece, é quase sempre durante os fins de semana, invariavelmente nas madrugadas. O autor normalmente se encontra em um estado psicológico atípico: um instante imediatamente após uma ocorrência traumática ou, mais comumente, um estado de razão alterada por estímulos químicos externos (ou tão-somente "embriaguez").
A emissão habitualmente gera um sentimento de culpa e constrangimento posterior logo na manhã seguinte. "Eu não deveria ter feito isso" é uma certeza ao se lembrar e se dar conta do feito.
Já ao receptor as reações não são tão típicas a ponto de ser possível descrevê-las em uma breve lista, menos ainda os momentos de recebimento das mensagens. Pode-se estar simplesmente dormindo - o que é uma sorte se o telefone estiver desligado ou sem som-, pode-se ver os recados deixados ao amanhecer (já acrescidos dos pedidos de desculpas); pode-se estar com o novo affair, o que configuraria o pior dos cenários (não... o pior seria este ainda atender o telefonema); pode-se estar em uma festa e o recebimento das mensagens se tornar motivo de chacota alheia... possibilidades mil, enfim.
Porém, algumas poucas dessas tão plurais variáveis encontram terreno oportuno e, apesar da vergonha do depois, de algum modo florescem.
Pode ser um telefonema às três da manhã com uma conhecida voz dizendo "eu só queria dizer que te amo" ou uma mensagem de texto que nem precisaria ser identificada dizendo "eu ainda penso em você". Certas vezes pode até ser uma confissão codificada no meio de uma conversa contando com a não compreensão do receptor e essa intenção acabar sendo frustrada por ele e algumas vezes pode ser bem mais simples... às vezes o inesperado surge e "só queria dizer... sei lá... 'oi'", como quem conta com o seu ombro para um alento (sem fazer perguntas).
Já fui tanto emissor como receptor e, em cada um desses papéis, segui caminhos paralelos e opostos. Todas as emissões resultaram no esperado arrependimento... acontece. Porém sempre tive a sorte de receber tais recados, sejam mais passionais e exagerados ou suaves e contidos, em momentos nos quais eu não apenas podia recebê-los sem ônus como, por vezes, chegavam a ser bem vindos como respostas aguardadas de perguntas igualmente nunca feitas por vergonhas, inadequações ou o simples e angustiante "não saber como dizer".
Algumas vezes essas mensagens surgem quando se está no meio do processo de escritura de um texto sobre como elas acontecem. Um tipo especial de coincidência. Alguns chamariam de "destino".
E lá se vão nove parágrafos.
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