segunda-feira, 11 de julho de 2022

DA LEVEZA (2)



Dizer que me apaixono por ela todo dia seria não um mero exagero, mas uma mentira.
Mais que uma mentira, seria uma farsa.
Pior que uma farsa, seria uma injustiça.

Mentira, pois não condiz com a realidade.

Farsa, pois teria o intuito de enganar.

Injustiça, pois, deliberadamente, desconsideraria toda a história e, de modo ainda mais indevido, toda a participação dela nesse processo.

Toda a construção, paulatina, paciente, contínua, perene, tranquila.
De confirmações, divergências, aprendizados, impasses e desafios.
Do quotidiano das pequenas coisas.
Das pequenas palavras.
Das pequenas descobertas.
Dos pequenos esquecimentos.

De algo que se desenvolve, amadurece e, mesmo de modo díspar, se fortalece.
Mesmo que seja somente aos meus olhos.
Mesmo que nada, efetivamente, se modifique.
Mesmo assim, cresce e permanece.

Dizer que me apaixono por ela todo dia seria uma mentira.

Tal coisa não “acontece” todos os dias, pois ela vem de todos os tantos dias anteriores.
E se torna natural. 
E deixa de “acontecer” para “ser”. 
E é.
Mesmo sendo apenas para mim.

Mas certas coisas, quando se estabelecem e são, não precisam mudar.
Mas é preciso cuidado, respeito, espaço.
E vamos regando e cuidando e podando e colhendo os frutos que surgem e nos alimentando deles conforme as ofertas e as necessidades. 

Dizer que me apaixono por ela todo dia seria não um mero exagero, mas uma mentira.

Eu me apaixono por ela a cada dois ou três meses.

E, entre um desses momentos e o outro, eu me permito estar satisfeito apenas com o fato de eu me apaixonar por ela.
Mesmo sendo apenas para mim.

modelo da foto: Marcella Gonçalves