segunda-feira, 27 de julho de 2015

O SONO DOS JUSTOS


Há alguns dias, uma nova amiga, em um momento de desabafo (por conta de uma decepção com alguém e problemas decorrentes disto), pergunta "deve ser muito ruim saber que voê errou feio com alguém, né?". Mesmo sabendo que se tratava de uma pergunta retórica, que não precisava de mais que uma resposta que cumprisse a função fática, ou seja, permissiva para a continuidade da fala, meu ímpeto foi o de dizer "sei como é isso melhor do que ninguém", mas não o fiz, inclusive porque ela precisava dar prosseguimento ao seu desafogo e à sua catarse.
Pouco tempo depois, uma dessas pessoas com as quais eu já "errei feio" me fez uma pergunta de sopetão. Para ela a questão fora corriqueira e até inocente, mas houve uma lacuna de contextualização que me congelou por me rememorar tais erros. Só depois eu fora esclarecido que o contexto da pergunta era outro, mas é isso que é ter a consciência do erro.
E tempo todo, em nossos dias, inclusive hoje, vemos uma exacerbação do ser feliz em sua forma mais egoísta e imediata. A regra (que não é nada nova, não é, Piaf?) é a do “je ne regrette rien”. Vou na contramão. Faço questão dos meus arrependimentos. Não os esqueço, sob o custo de cometer os mesmos erros e ainda assim os cometo. Eu gostaria de verdade de achar que, como diz a canção, “eu não posso causar mal nenhum a não ser a mim mesmo”, mas eu sei que tenho capacidade de fazer males a outras pessoas também e já fiz, e boa parte delas ter sido descuido, desleixo ou algo realmente involuntário não me exime da tomada de consciência, o que se dirá do que eu já tenha alguma noção ao fazer. E há dias em que os principais erros pesam de forma mais contundente
É-me estranha uma sociedade em que todos são tão únicos e tão especiais... mas isso tampouco chega a ser alguma novidade, não é mesmo, Fernando Pessoa? Quem dera a mim também ouvir de alguém a voz humana que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; que contasse, não uma violência, mas uma cobardia... Estou igualmente farto se semideuses inimputáveis. que contasse, não uma violência, mas uma cobardia... Estou igualmente farto se semideuses inimputáveis.
Mas não, nem tudo é só arrependimento. Há momentos dos quais há o que se orgulhar e, na maior parte do tempo, a ambiguidade e o nada. Mas esses ficam para um outro dia, um outro texto. Hoje eu fico com o que me arrependo e revendo onde e com quem eu posso ter errado, justamente para poder tentar me melhorar. E, ainda assim, saber que só poucas vezes isso dá efetivamente dá certo.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

NO MEIO DA NOITE

Sou do tempo de esperar o telefone tocar. A verdade é que hoje em dia nem sei mais se é certo dizer "tocar"; eles vibram, chiam, apitam, assobiam, piscam... e nem mais é preciso atender, pode-se apenas ler as mensagens, ouvir os recados, verificar as notificações, todas perfeitamente identificadas, sem um traço de mistério na autoria... As tecnologias evoluem e modificam os processos e atos, mas o efeito permanece e o ponto de partida também: alguém em um determinado momento, tão inesperado quanto previsível, resolve dizer o que estava contido por vergonhas, inadequações ou o simples e angustiante "não saber o que dizer".

Quando acontece, é quase sempre durante os fins de semana, invariavelmente nas madrugadas. O autor normalmente se encontra em um estado psicológico atípico: um instante imediatamente após uma ocorrência traumática ou, mais comumente, um estado de razão alterada por estímulos químicos externos (ou tão-somente "embriaguez").

A emissão habitualmente gera um sentimento de culpa e constrangimento posterior logo na manhã seguinte. "Eu não deveria ter feito isso" é uma certeza ao se lembrar e se dar conta do feito.

Já ao receptor as reações não são tão típicas a ponto de ser possível descrevê-las em uma breve lista, menos ainda os momentos de recebimento das mensagens. Pode-se estar simplesmente dormindo - o que é uma sorte se o telefone estiver desligado ou sem som-, pode-se ver os recados deixados ao amanhecer (já acrescidos dos pedidos de desculpas); pode-se estar com o novo affair, o que configuraria o pior dos cenários (não... o pior seria este ainda atender o telefonema); pode-se estar em uma festa e o recebimento das mensagens se tornar motivo de chacota alheia... possibilidades mil, enfim.

Porém, algumas poucas dessas tão plurais variáveis encontram terreno oportuno e, apesar da vergonha do depois, de algum modo florescem.

Pode ser um telefonema às três da manhã com uma conhecida voz dizendo "eu só queria dizer que te amo" ou uma mensagem de texto que nem precisaria ser identificada dizendo "eu ainda penso em você". Certas vezes pode até ser uma confissão codificada no meio de uma conversa contando com a não compreensão do receptor e essa intenção acabar sendo frustrada por ele e algumas vezes pode ser bem mais simples... às vezes o inesperado surge e "só queria dizer... sei lá... 'oi'", como quem conta com o seu ombro para um alento (sem fazer perguntas).

Já fui tanto emissor como receptor e, em cada um desses papéis, segui caminhos paralelos e opostos. Todas as emissões resultaram no esperado arrependimento... acontece. Porém sempre tive a sorte de receber tais recados, sejam mais passionais e exagerados ou suaves e contidos, em momentos nos quais eu não apenas podia recebê-los sem ônus como, por vezes, chegavam a ser bem vindos como respostas aguardadas de perguntas igualmente nunca feitas por vergonhas, inadequações ou o simples e angustiante "não saber como dizer".

Algumas vezes essas mensagens surgem quando se está no meio do processo de escritura de um texto sobre como elas acontecem. Um tipo especial de coincidência. Alguns chamariam de "destino".

E lá se vão nove parágrafos.

sexta-feira, 10 de julho de 2015

DESABAFO



Nunca pensei em deixar o Brasil. Até agora. Tenho pensado nisso nos últimos dias. A razão disso? É justamente a palavra que resume a falta de razão: Medo. E não é o “medo de assalto” ou “medo da crise” ou “medo do desemprego”. Esses problemas aí eu já passei por todos eles e, muito infelizmente, já estou vacinado. Meu medo hoje é outro, é um que nunca pensei que fosse ter e que chega até a ser comparável com a minha fobia de alturas. Estou com medo de quem costumava ser meu semelhante.

Estou com medo de uma corrente de ódio e ignorância que vem sendo alimentada há mais tempo do que me lembro, mas que agora explode e sinto dificuldades de ver um ponto de retorno.


Estou com medo do ser humano médio da sociedade brasileira.


Estou com medo de ser apedrejado por não professar uma fé majoritária cujos adeptos acham que têm o direito de exterminar aqueles que não lhe são iguais e ainda haver quem defenda quem apedreja [1].


Estou com medo de encontrar meu irmão na rua, pois a primeira coisa que sempre faço é dar-lhe um beijo, e as pessoas nos atacarem por estarmos indo contra um código de moral e bons costumes que impede que pessoas se beijem, mas permite que pessoas agridam outras em nome seu nome [2].


Estou com medo de ser agredido por conta de ser confundido com alguém a partir de um boato qualquer na Internet e não ter chance de defesa física [3] ou moral [4].


Estou triste e com medo de ver gente com quem cresci defendendo assassinatos e linchamentos e se colocando ao lado de quem não tem o menor resquício de racionalidade, como repetidores automáticos de bordões que apelam para seus lados mais obscuros e os traz à tona: a nossa animalidade, a nossa irracionalidade. A nossa cegueira alimentada por barões da guerra.


Estou com medo por ver colegas atropelando a ética por status e lucro.


Estou com medo por ver os que deveriam ser meus parceiros ideológicos se rendendo igualmente a essa bola de neve que odeia por simplesmente odiar o que não lhe é igual e transformar tudo, seja uma dieta ou uma preferência de estilo literário, em religiões fundamentalistas que demonizam quem não lhes são seguidores, o que se dirá das assumidas e sectaristas religiões.


Estou triste por não conseguir mais eu mesmo ter a paciência necessária para tentar argumentar com quem se encontra nessa histeria coletiva, a quem só faltam rastelos, foices e tochas em punho para se configurar uma turba medieval.


Estou cansado de ver gente que acha que algumas pessoas tem que passar por todo o tipo de provas das mais humilhantes só para fracassarem e que isso justifique os dedos sempre apontados os chamando de incompetentes.


Essa entropia, causada e alimentada por séculos de estratégias de poder, é a nossa ruína. Não quero ir embora por causa dos políticos. Eles não são nada mais que os mais legítimos representantes do povo do nosso país. Maniqueistas, manipuladores, trapaceiros, egoístas e corruptos. Eu só não quero mais fazer parte disso, pois nunca fiz, mas tentava fazer alguma diferença mínima e nem isso quero mais...


Porém eu estou pessoalmente em uma fase de recomeços. Talvez eu ainda consiga algum novo oxigênio ao estar em contato com novas pessoas e um tanto mais do renovar da juventude da gente da minha terra. Talvez seja só uma fase. Talvez eu ainda consiga algum fôlego, afinal deixar de acreditar na capacidade do ser humano de ser melhor é deixar de acreditar em mim mesmo.


Por favor, me ajudem a perceber que a minha desesperança é um tremendo equívoco.