sábado, 3 de setembro de 2011

SÃO PAULO

São Paulo é uma cidade imensa e cinza. Saindo do Centro e indo para a Freguesia do Ó pode-se ver a cidade se afastando. São prédios e prédios e prédios e mais prédios; todos altos, muito altos, parece que um querendo ser mais alto que o outro. Não há como não se assombrar com o tamanho de tudo nessa megalópole tupiniquim.

São Paulo parece padecer do mal desses garotos muito ricos que têm famílias sem história e compram mansões, coberturas e carros esportivos velozes (talvez seja para compensar também alguma inferioridade fálica, visto o sem-número de espigões erigidos em seu meio).

As proporções de tudo são enormes. Uma teia sem fim de ruas e ruas e ruas se entrecortando. Ruas e ruas subindo e descendo. Literalmente subindo e descendo, descendo e subindo. Não há uma rua plana em São Paulo. Fico imaginando que os pedreiros paulistanos sejam verdadeiros experts no uso do nível de bolha e do fio de prumo. Parece que a falta de contato com o mar deixa a cidade assim. Até nisso parece haver algum tipo de compensação: já que não há o mar, as ruas formam ondas; já que as ondas são de concreto e asfalto, há skatistas onde deveria haver surf.

A imensidão de concreto fez também com que eu descobrisse pelo menos umas vinte novas tonalidades de cinza que meus olhos não sabiam existir. Alguns amigos ainda insistem que São Paulo é a cidade perfeita para o meu estilo de vida. Talvez até estejam certos m alguns aspectos, mas falta o essencial. Falta a sutileza da diferença.

Certa campanha turística estigmatizou São Paulo como uma espécie de Nova York dos trópicos. “A cidade que nunca dorme”. Ela dorme, e dorme cedo! Mas... Ah! A noite paulistana. Seus restaurantes, bares, boates... Tudo é feito aos moldes de algum outro lugar. Uma cidade feita por imigrantes internos e externos para turistas e migrantes internos e externos não se sentirem totalmente “lá”. Aliás, até duvido que esse “lá” realmente exista. Se existir, deve estar oculto no meio da imensidão imponente e gris.

Me vem a canção Sampa, de Caetano Veloso, à cabeça para tentar falar das moças de São Paulo. A “deselegância” não é discreta. É over. Overdrive, overloaded, overfashioned – São Paulo fala inglês quando convém e quando não convém – mas as meninas são lindas. Todas. As meninas de família, as burguesinhas entediadas, as alternativas, as proletárias e as putas das esquinas. Essas últimas, por sinal, merecem uma abordagem mais aprofundada. São lindas demais, mas não são paulistanas de
origem. São mineiras, goianas, baianas, mato-grossenses que buscam em São Paulo oportunidades de vida que acabam não encontrando ou, até mesmo, encontram ao estudar em universidades, mas acabam fazendo das ruas seu modo de sustentar temporariamente tão caro empreendimento. Mas como são belas as meninas da vida em São Paulo! 

Tudo ali é sexo. Geografia, arquitetura, modo de vida e sociedade. A cada quarteirão, um grande cinema pornô ou um prostíbulo ou um “inferninho”. Às vezes, vários no mesmo quarteirão. Quase sempre de modo caoticamente distribuído, embora se diga que há áreas destinadas a tal entretenimento. Mais do que sexo, São Paulo é gay. Mais! São Paulo é pansexual! Qualquer ambiente em São Paulo é sui generis. Não há limites. Poder-se-ia dizer que há uma ponta de preconceito em minhas palavras, mas garanto que não. Chega a ser um pouco o contrário. Parece um contra-senso  (ou, no mínimo, pouco elegante) afirmar-se exclusivamente heterossexual por lá. 

Gostaria de voltar a falar da arquitetura paulistana, já que o assunto é sexo. É uma cidade de prédios que se convertem em falos homéricos e largos e praças onde se pode mergulhar. Mas os prédios são inúmeros e os largos são poucos. A cidade com curvas e ondas sufoca-se em meio a tantos sinais verticais desejantes de manifestar sua imponência e magnitude. Há o maior de todos, estrategicamente também um símbolo do poder econômico desse lugar: o prédio do Banespa, o mais paulista dos bancos. Do alto de sua torre pode-se ver todo o centro e além, todos os prédios que
não conseguem ser tão altos e ricos quanto ele e grita de uma maneira aguda e vertiginosa toda a sua superioridade: “O meu é maior que o de todos vocês!”. Mas meu jocoso espírito carioca pergunta: “Dá para ver tudo mesmo?”, “Sim, tudo!”, “Dá para ver o mar?” e uma careta de meu interlocutor responde o meu riso e eu me encho de filosofia litorânea pensando: “Para que uma visão tão vertical que se ela não pode deitar-se no aconchego molhado das ondas?”. E uso isso como alternativa à minha galopante acrofobia para não escalar tal torre.

Nesse ambiente claustrofóbico e impositivo, a população parece fugir ou querer se esconder. O espaço para essa fuga encontra-se no subsolo. Os paulistas andam de metrô. Uma extensa e intrincada rede metroviária corta e entrecorta os subterrâneos urbanos. Há um minhocário humano embaixo de São Paulo. Se do alto de seus prédios as pessoas parecem formigas, os metrôs são os formigueiros “por onde entra e sai o mundo”, onde se transita para lá e para cá em velocidade vigorosa.

Assim como as formigas, há divisões nos tipos de cidadãos. São Paulo fervilha de tribos urbanas em categorias e subcategorias diversas. Há engravatados e proletários. Paulistanos e baianos. Hip-hoppers e rockeiros. Dentre os rockeiros (categoria da qual posso falar com alguma propriedade) há punks, headbangers, indies, emos, góticos. Todos absolutamente diferenciados em suas tamanhas semelhanças. A cidade se propõe – ou, ao menos, se declara – cosmopolita. Mas as divisões são claras. Bairros de judeus, de italianos, de “japas”, de nordestinos... Não só os bairros, mas também se vê nos centros de consumo (consumo, sim. É um território essencialmente capitalista) e de circulação tais divisões. Não cometerei o exagero de comparar a uma sociedade de castas, mas a mistura ainda está longe.

Paulistanos são esforçados (quando assim o querem) em serem simpáticos. Eles até tentam... Mas são duros como a cidade. Preferem o aperto de mão ao abraço. Dão só um beijo (como pode eles desconhecerem a funcionalidade social do “um-dois” ao cumprimentar?). O paulistano só é realmente afável com quem lhes é muito querido. Aí eles abraçam, acolhem. Só continuam desconhecendo o “um-dois” na hora de dar beijos... Não se pode forçar tanto assim a natureza... Nisso eu tenho que reverenciar os “meus” paulistas. Certamente tenho muita sorte em lhes ser de grande estima e eles são mestres na arte do receber, ou, para minha felicidade, me receber.

São Paulo merece mais que apenas uma crônica ou uma canção; seu espaço seria um blog, talvez o MySpace ou algum outro meio multimídia, uma enciclopédia em DVD ROM, mas, seja o que for, há que ser moderno, grande e, se possível, vertical.


fevereiro de 2007

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