quarta-feira, 29 de abril de 2015

Paisagem Urbana


Estava esperando o dia certo para aquela foto, já planejada. Seria o retrato da solidão, da desolação, do isolamento, da perda de contato da hodiernidade construída por concreto, asfalto e tecnologia.

Já havia algumas semanas que ele havia percebido aquele cenário. Uma velha praça no meio de um dos bairros mais movimentados da cidade. Já não era mais frequentada para passeios, só era usada, em uma de suas bordas, a que ficava na avenida principal, como ponto de ônibus, mas seu interior mal era tido como mero corte de caminho para alguns, o que se dirá alguma pausa.

O dia era aquele. Amanheceu muito nublado, o ar estava naturalmente cinza (se é que se pode atribuir à natureza o tanto de poeira suspensa no ar), por volta das 10 horas a luz estaria no ponto certo. Não usaria nenhum desses filtros e calibrações posteriores da fotografia atual. As cores esmaecidas seriam exatamente o que a lente captaria. Seria um refugo orgânico registrado por um equipamento analógico e divulgado em meio digital.

O velho banco de concreto, esquecido e com algumas pichações, era o personagem escolhido para refletir todo esse desamparo.

Lá estava o tripé apontado para o alvo, quase tudo verificado, apenas uma decisão restava a ser tomada na hora, se seria melhor fotografar com o vento dando um efeito de movimento nas folhas ou esperá-las assentarem para o clique. Um único clique.

Então aparece aquele casal, sorridente, com aquele carrinho de bebê decorado com uns balões, tudo muito colorido, mesmo e apesar do cinza do dia. Se sentam, a mulher pega o bebê e o embala e o seu companheiro observa enternecido os dois.

Estragaram tudo: a foto perfeita e o dia.

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