domingo, 22 de dezembro de 2013

[pequena intervenção]

Pouca coisa é tão simultaneamente inútil e engrandecedora da alma humana como a poesia.

Talvez só o futebol aos domingos.

E você, às vezes.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

REFERÊNCIAS II

Ela foi escrita por Charles Bukowski.
Descrita por José de Alencar.
Desenhada por Milo Manara.
Musicada por Arnaldo Baptista.
Cantada por Joey Ramone.

Como ficar imune?

(por que querer ficar imune?)

domingo, 20 de outubro de 2013

PONTEIROS

O relógio da parede parou há alguns dias e eu sempre esqueço de comprar pilhas novas. Eu durmo, acordo, leio, penso um bocado, anoitece e amanhece.

Pensando bem, o relógio está bem correto em sua contagem do tempo na minha parede.

sábado, 12 de outubro de 2013

DISPOSOFOBIA


Hoje pela manhã eu tive que dar uma boa organizada aqui no meu pequeno espaço.  Papéis, meias, livros, instrumentos musicais, sapatos e camisas por todo canto, como se tivessem sido atirados de um avião sem nem mesmo estarem em um contêiner. Mal se podia caminhar sem o risco de pisar em algo. Não saberia dizer quantos minutos já viraram horas perdidas procurando coisas triviais e óbvias como a carteira de motorista ou minhas chaves.

Há poucos dias uma amiga me falou que um quarto pode até estar arrumado, mas se a cama estiver bagunçada, anula todo o entorno. O efeito também é inversamente correspondente: Se a cama estiver arrumada, a ideia de organização contaminará o ambiente, ainda que haja cuecas jogadas sobre abajures ou em cima do computador. Minha cama estava mesmo merecendo especial atenção, pois já não me dava sequer condições de dormir nela, tamanha a quantidade de coisas acumuladas.

Há quinze anos deixei de dormir no meio da cama, que era de solteiro, para dormir do lado esquerdo (se deitado de costas, olhando para cima). A cama passara a ser de casal.

Já se passaram nove anos desde que eu poderia voltar a dormir no meio da cama, mas não consigo...  Ainda teimo em ocupar unicamente o espaço da esquerda e vou, compulsiva e quase compulsoriamente, ocupando o outro lado com roupas, livros, equipamentos eletrônicos, instrumentos musicais, qualquer coisa que não seja a lembrança de um travesseiro vazio.

Semanas de acúmulos se justificam. A bagunça generalizada me incomoda, mas muito menos que a cama arrumada me dói.

Já passa da hora de ir dormir e eu a encaro e preparo algumas armas. Não posso ir sem recursos. Reiniciarei o processo com algumas provas e canetas e a prateleira móvel. Deixarei o computador portátil a postos também.

Há duas horas estou tentando me convencer de que este texto é só mais uma crônica.

domingo, 6 de outubro de 2013

MUSAS

Ao poeta não são necessários amores, bastam-lhe as musas;
Tampouco lhes são necessárias razões, bastam-lhes um motivo.

Um dia quis ser poeta e ter poucas necessidades.

Hoje não sou mais poeta e as tenho menos ainda.

sábado, 24 de agosto de 2013

MAR E NADA

Observo o mar como quem observa um nada,
Um nada pleno, cheio de água salgada,
Um nada completo,
Um nada com consciência
do seu sentido nada de ser.

Nada, criança,
Nada no mar que é nada;
Nada em tua filosofia, que é nada;
Nada com teu pudor que é nada,
nada sendo despudorada, nada,
Transforma tua pele em dourada,
tua pele clara;
Nada calma como as águas
Da Baía da Guanabara.
Nada no mar que é nada.

O mar na plenitude de seu nada
Sendo um tudo n'um dia de sol,
O céu azul, o feriado_
Na mente
Nada.

12/10/1993

domingo, 4 de agosto de 2013

DA LEVEZA




“Cada um sabe a dor e a delícia 
De ser o que é”
(Caetano Veloso – Dom de Iludir)

É o que se levanta e corre.
Que dança e voa.
Graceja e ri.

É o que se insinua e disfarça.
Que esconde e despista.
Desvanece e vai.

É o que se descobre e se renova.
Que aceita e encara.
Torna-se e é.

Que está à frente,
Ao lado,
Em cima,
Embaixo.
Mas nunca estará ao alcance. 



modelo da foto: Marcella Gonçalves

terça-feira, 30 de julho de 2013

PENITÊNCIA


Quem cumpre pena não precisa de catarse.

A arte não lhe serve de expurgo. Não há poesia que o redima. A ele, a poesia e a tragédia servem apenas como alento e memória.

Sua redenção se dá pelo perdão. Nenhum verso se iguala a dor que ele causou e sente. As canções sempre lhe serão menores que a vida.

Que a catarse artística sirva para os puros de alma. Quem tem o inferno em si carece é de paz.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

DO MELHOR PARA ALGUÉM

“Que isso? Eu só coloquei a primeira roupa que vi quando abri o armário!” e lá está ela: saia combinando graciosamente com o bolero rendado, brincos e outros acessórios harmoniosamente afins, um batom que realça vivamente o sorriso que ela sabe que você tanto gosta nela. Claro, tudo obra do mero acaso que previamente dispôs cada elemento como primeiro ao se abrirem as portas do guarda-roupa.

Ele também deixou que o destino escolhesse aquelas meias que caem bem com a camisa, o habitual desalinho nas dobras da calça jeans fazendo uma ponte com as dobras das mangas da camisa... Interessante como esse tal acaso se faz funcionar.

Ambos se encontram, igualmente “sem querer”, apenas uma entre tantas possibilidades. Decidem ir para a casa de um dos dois (de qual, é a vez de um decidir, o destino não pode dar conta de tudo, afinal), aproveitar a oportunidade de estarem um tanto mais juntos, pois não se sabe quando ocorrerá de novo, mesmo que os dois tenham os mesmos compromissos semanais no mesmo local e no mesmo horário. Ao se chegar em casa, o anfitrião se coloca um pouco mais à vontade, se valendo de seus privilégios (a “prerrogativa do capitão”) e estabelecendo o domínio do lugar, mas por que desfazer todo o minucioso preparo do destino? Melhor não. Assim, o “ficar à vontade” resume-se a desabotoar o colarinho ou trocar o salto alto por uma sandália.

Nisto, ocorre a chance de apresentar dotes. Os culinários sempre serão muito bem vindos. Então a pessoa se prepara para cozinhar para a outra. Nada do desleixo habitual de “ah, vai essa faca mesmo” ou panelas barulhando como baterista de rock afinando seu instrumento. Tudo feito com zelo e estudo, mas a providência também dá suas caras neste momento ao lembrar que existe o avental, peça tão cotidianamente  esquecida, mas que ressurge em momentos pontuais como este.

O final desta noite, creio que nós já prevemos: o destino, o acaso, a providência cuidaram para que tudo se dê como deveria se dar e podemos deixar os dois realmente à vontade.

Manhã seguinte, ela se vai, ele a acompanha. Na volta, ele torna a combinar com o aleatório as melhores vias para que tudo se dê novamente. E deixa tudo preparado para ser usado sem escolha. Sem querer. O disco de jazz “esquecido” no aparelho, o vinho especial que foi comprado só porque ouviu falar... Até o avental lavado e pendurado no varal pronto a ser reutilizado, caso a ventura o queira.

Mas nem todo destino se prevê e o ser humano pode se ver refém de imprevistos.

Chove. Chove torrencialmente. E lá está o avental pegando chuva no varal, irreversivelmente molhado como planos que não ficarão secos a tempo.

Ele nunca gostou de chuva, mas _estando com ela_ esta lhe passava a ser muito menos mal vista, pois ela gosta de chuva. Isto pode ser usado “por acaso” também.

_Oi. Que chuva, né? Quer uma carona?

quarta-feira, 17 de julho de 2013

DIVISA

(de Aava Santiago)

A Alan Robert 

Teus olhos que são muito mais que dois
Ou três, ou seis, ou milhares de olhos:

São teus dedos e tuas notas que veem,
teu cabelo que vê, teu blue que vê
Teu francês que vê, tua amargura que vê,
Tua doçura que tudo vê.

Em ti tudo que é visto demora-se
Como demoradas são as memórias de remorso
E a espera por um Redentor.

Por isso teu tempo é outro
Onde os dias são contados somente pelo teu cigarro
Por tua descrença e pelos lamentos da imensa cegueira
Que teus tantos olhos coagem
Pela força da tua precisão.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Dionísio e Atena




O desnudamento da alma, que nos deixa indefesos, expostos às intempéries dos humores, das situações e dos incontroláveis e inevitáveis instintos.

Esta exposição, o que é? “Loucura”, alguns dirão. Possivelmente, eu direi.

Como se despir sem se expor? Como se desnudar e se abrir sem enlouquecer? Como se dar sem se ferir?
E nos fazemos proteções, armaduras, esconderijos. E o que era proteção se torna pudor. O que era segurança se torna medo. E tudo que era razão se torna tabu.

E os limites entre os lados se diluem até a razão e a loucura se confundirem a ponto de serem distintos e a mesma coisa. Ao mesmo tempo. No mesmo lugar.




(sobre o ensaio "Loucura & Juízo", do fotógrafo Meneleu Neto, com os modelos Júnior, Pedro e Janaina)

domingo, 24 de março de 2013

...das caras (sem ordem de importância).

...a da minha mãe quando eu apareço para visitá-la.
...a do meu irmão mais velho quando está de férias.
...a do meu irmão mais novo quando o time dele perde.
...a do meu sobrinho quando digo alguma piadinha sem graça.
...a do meu irmão bebê quando está batendo em minha porta e eu abro.
...a do meu cachorro quando vou soltá-lo da coleira.
...a minha no momento em que saio do banho.
...a dos meus alunos quando eu percebo que estou realmente ensinando algo a eles.
...a do meu melhor amigo quando a gente se vê.
...a da minha filha quando eu concordo com ela (o que é bem raro).
...a do meu pai quando está ocupado trabalhando em algo de verdade.
...a da minha melhor amiga quando eu dou uma de pai dela.
...a do meu avô, quase sempre.

...a dela, que sempre esperou de mim mais do que eu era, mas que um dia eu chegarei a ser.