sábado, 26 de maio de 2012

OS FINS JUSTIFICAM OS MEIOS?

Enfim vou me pronunciar sobre o assunto da semana antes que a semana acabe e surja um novo tema e o anterior se torne fatalmente ultrapassado nestes tempos de internet em que ontem já é "faz tempo". Tratarei do "caso Xuxa", ou melhor: "a celeuma em torno da entrevista da apresentadora Xuxa ao Fantástico".

Como o assunto é essencialmente televisivo, começarei com o mesmo esclarecimento que sempre faço: é de conhecimento de todos nos meus círculos que eu abdiquei quase completamente do uso de tal aparelho, sendo única e exclusiva exceção as transmissões do futebol.

Pois bem, tive conhecimento da tal entrevista pela internet quando esta encerrou-se (sim, eu não vejo tevê e não, eu não abro mão de estar conectado à internet quase nunca). Uma grade revelação havia sido feita: Xuxa fora abusada sexualmente na infância. [som de explosão]

A partir daí polvorosa total nas redes sociais e, como é dito nestas mesmas redes, "lovers gonna love and haters gonna hate", e foi o que ocorreu. A primeira onda de choque deste impacto foram declarações apaixonadas e pétalas de rosas de fãs que a consideram "rainha" e todas as pedras de quem a considera o contrário. Se há um tipo de animalzinho nocivo que eu não gosto é o tal do "fã". Eu já vi na parca zoologia que conheço animais cegos, animais surdos, animais que não se locomovem bem, mas este é um que é isso tudo junto e ainda consegue ser estridente! Deveria ser melhor estudado. Mas, quase empatado, ficam certos membros do "clube do contra" (confesso, eu às vezes tenho uma certa simpatia por eles). É uma espécie com mais variantes que os fâs, mas que tem dentro deles uma subdivisão que acaba com a fama de todo o resto: o que reclama só para reclamar. Não interessam quais ou mesmo se há razões. Ele é tão do contra que chega a ser contraditório. Odeia a Globo, mas não perde um programa e ainda reclama quando a Globo deixa de fazer algo e coisas do tipo. Mas essa foi só a primeira fumaça que vem, ainda cheia de detritos.

Logo após, começam a surgir as piadas, as defesas mais "racionais", a configuração com o ambiente em volta começa a se restabelecer e é aí que a gente começa a ter real noção do que foi tal entrevista.

Como dito acima, sou um "morador" da internet e percebi, não lembro se antes ou depois da declaração de Xuxa, que uma campanha do Disque 100 e outra sobre o mesmo tema (abuso sexual infantil) começou a ser veiculada nos anúncios do YouTube antes dos vídeos, uma animação digital muito bem feita, dessas que levam meses para ficarem prontas. E também houve um aumento/reforço nas campanhas para denúncia nas ultimas semanas. Coincidência?

Talvez infelizmente para mim eu não acredite muito em coincidências. Acaso? Sim. Coincidência? Nunca. Muito menos na mídia. Resolvi ver a entrevista.

Eu sou um dos que não gosta nada da figura da Xuxa, mas eu não podia dizer nada a partir do que ela declarou. Foi uma entrevista de uma celebridade (como tantas outras que eu desconsidero) falando se sua vida (como a vida de tantas outras pessoas famosas ou não que eu igualmente desconsidero), e com algumas declarações de impacto que eu, que desconheço (e desconsidero) a pessoa, não tenho o mínimo suporte para dizer serem coisas reais, mentirosas ou meramente fantasiosas... mas há um ponto específico: tenho que desconsiderar minha desconsideração pela existência da "pessoa física" e me concentrar na "pessoa pública", e esta sim, eu quase sempre considerei nociva, só que, mesmo assim, eu não teria muito a falar que não pudesse ser rebatido com os argumentos de sempre dos seus defensores mais rasos: "canalhice e inveja" (http://oglobo.globo.com/cultura/xexeo/posts/2012/05/23/sobre-xuxa-canalhas-invejosos-446509.asp). Permaneço em meu silêncio sobre o assunto (quebrado apenas em conversas mais íntimas, né, Christiana?) e meu riso calado de alguns chistes.

Mas ontem o site da revista Época me trouxe uma nova abordagem do tema, fazendo ligações ainda "apaixonadas", porém evocando uma maior historicidade, contextualizações mais específicas, um certo apelo à racionalidade... e agora faço uma confissão: menti para vocês, amigos. Não falarei sobre a Xuxa. Falarei sobre "a defesa midiática de Xuxa feita por Cristiane Segatto" [http://revistaepoca.globo.com/Saude-e-bem-estar/cristiane-segatto/noticia/2012/05/xuxa-e-doenca-do-coracao-de-pedra.html].

A autora parte de um mote louvável: o incrível aumento do número de denúncias de abuso infantil após a declaração da apresentadora. Fatos são fatos. Fatos são contundentes. Fatos são irrefutáveis. Mas o que há por trás dos fatos?

Segatto diz que o impulso ofensivo de um determinado rapaz contra Xuxa foi movido por preconceito. "Contra a beleza, a riqueza e o sucesso. Se o mesmo depoimento, com as mesmas palavras, a mesma entonação, a mesma emoção saísse da boca de uma moça pobre e anônima provavelmente a reação do rapaz fosse outra."

Não, minha cara colunista. Se o mesmo depoimento saísse de da boca de uma moça pobre e anônima, não haveria reação nenhuma. Tal depoimento não estaria no Fantástico. Apenas isto.

É aí que começa a minha linha de raciocínio. A retomarei em outro(s) momento(s).

Cristiane fala sobre o passado sexista da apresentadora. Há poucos anos, também veiculada e alimentada pelas redes sociais, surgiu a lenda de que Xuxa teria 16 anos em "Amor, Estranho Amor", e que isto seria uma defesa válida para o que ela fez no filme. Bom, ela já tinha 18. Dizer que ela tinha 16 é como dizer que a Glória Maria tem 45 anos hoje. Mas a questão real é transformá-la em igualmente "vítima" da história. Quanto a filmes "de arte" com sexualização infantil nos anos 80, a Brooke Shields que o diga. Alguns poderiam contextualizar artisticamente tudo e dizer que não se pode pensar o filme anacronicamente, no que eu concordo. Mas entram aí os hercúleos esforços de Xuxa em tirar (judicialmente inclusive) de circulação todo e qualquer traço de sexualidade que ela possa ter tido antes do Xou da Xuxa como o filme (que, por favor, está LONGE de ser pornô, como alguns andam alardeando) e seus ensaios para as revistas Ele & Ela e Playboy. Não "pegam bem" para a imagem que ela vem construindo há décadas.

A autora também evoca outros ídolos sexuais da época, Gretchen e as Chacretes, mas parece que a colunista esqueceu-se de um detalhe muito pontual: embora elas aparecessem em seus maiôs sensuais em programas vespertinos, elas DE MODO ALGUM eram voltadas para o público infantil!

Por favor, chamar as roupas de Xuxa e Paquitas de "recatadas" foi uma tentativa de piada suja, né? Isto aqui [http://www.youtube.com/watch?v=3-xmyulHmL0] não era "recatado" nem nos bailes de carnaval igualmente citados na coluna!

Xuxa foi um mote para a construção de um público consumidor. As atrações infantis como "Arca de Noé", "Casa de Brinquedos", "Plunct, Plact, Zum" e os especiais d'A Turma do Balão Mágico eram bons, educativos, mas eram voltados às crianças... Eis o problema. Criança não consome. Não existe isso de "mercado infantil". Há um "público de crianças", mas elas não consomem. ELAS NÃO TÊM DINHEIRO. O dinheirinho que elas ganham dos pais seria para comprar figurinhas de álbuns e chicletes, mas nunca para comprar coisas mais caras como roupas, por exemplo. Então aparece a Xuxa. As mães querem ser bonitas como ela. Os pais querem tê-la. As crianças... bem, elas vão ver e ouvir o que seus pais a colocam para ver e ouvir. E havia desenhos animados legais. Tudo deu muito certo. O mercado estava feito e rapidamente consolidado. "Clones" de Xuxa em todas as redes de televisão e toda uma nova sorte de produtos é criada. Xuxa é um marco na economia brasileira.

Voltando a falar da construção e manutenção da imagem de Xuxa para as crianças, é até interessante perceber que ela realmente o faz com afinco. Movida pelo quê? Só ela sabe. Qualquer coisa que eu diga será achismo. Atenhamo-nos aos fatos.

"Xuxa Só Para Baixinhos" foi um empreendimento que me surpreendeu. Passado o asco que eu sentia da super-autoexposição de cada passo da gestação da apresentadora, desde a concepção até o anúncio do nascimento no Jornal nacional, ela se torna mãe e faz um projeto realmente BOM, realmente INFANTIL. Lembro de comentar na época com minha ex-mulher assim: "Veja só, Renata, como está a educação no Brasil. As coisas estão tão ruins que a gente pode chamar o trabalho da Xuxa de algo exemplarmente bom". Só que, passada a terceira edição do projeto, talvez (achismo) também pela Sasha ter crescido, tal empreendimento tornou-se também essencialmente comercial, deixando os aspectos educacionais em segundo (ou sexto ou sétimo) plano.

Enfim, não vou falar sobre a "emoção" do depoimento. Xuxa sempre me parece o mesmo robô de 6 anos de idade recitando "batatinha quando nasce" toda vez que abre a boca. Não vou falar que é mentira o que ela disse, que ela é maluca nem nada. Ela realmente pode ter passado por tudo o que disse, desde os abusos até ser pedida em casamento pelo Michael Jackson. Não vou duvidar do amor sincero dela por Ayrton Senna. Mas também não vou acreditar em nada disso.

Maria da Graça Meneghel é uma modelo. Uma figura de marketing, moldada desde sempre para vender produtos, bons ou ruins. Desta vez foi um produto excelente, mas será que realmente é preciso de uma figura como ela, de credibilidade altamente questionável, para que tal ganho fosse possível? Será que as tantas moças pobres e anônimas que sempre aparecem denunciando seus abusos tenham suas vozes diminuídas por serem "ninguém"?

Eu acho muito mais duro saber de uma dessas meninas que da Xuxa. A maior parte dessas meninas não tem uma vida que sequer se aproxima de "normal". Vejo nas salas de aulas meninas que se transmutam em seres sexualizados por causa da Xuxa e de seus atuais congêneres. Vejo meninas de 13 e 14 anos que acham que a coisa mais importante é parecer sexy. "Agradeço" a Xuxa por isso. Mas achar que a ela se deve o mérito de alavancar denúncias de abuso sexual... me perdoem, eu não acho que ela tenha credibilidade pública para tal.

Para mim, a credibilidade da figura pública de Xuxa se resume em uma piada que circula por aí... [http://a6.sphotos.ak.fbcdn.net/hphotos-ak-snc7/399024_2749146466126_1781539866_1546755_1383512100_n.jpg]

E fica a pergunta que dá título a este "breve" texto, que é a mesma que pontua toda questão de ética desde que esta é pensada.

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