sábado, 28 de abril de 2012

PSICOSSOMATIZAÇÃO

Pressão no peito. Dor. Tontura, suor, tremores. Desorientação. Respiração ofegante. Falta de ar. Apneia.
Olhos abertos, retinas dilatadas, fixas.

Ainda a dor. Ainda o suor. Ainda a falta de ar.
A garganta seca. Os tremores.

A certeza de conhecer bem tais sensações e saber que estou longe de morrer devido a elas, pois acontece justamente o contrário.
Tudo isso é não mais que perceber que eu ainda transpiro. Respiro. Vejo. E que meu coração ainda está lá.

Já fazia tempos que eu não me dava mais conta disso e aconteceu novamente, como sempre, com minha desprevenção.
Estou vivo, e esta é uma constatação feliz e estranha.

Você, infarto e desfibrilador.

sábado, 21 de abril de 2012

PÚBERE

Ah, as revistas com belas moças desnudas estampadas em suas capas, páginas e pôsteres... Lembro de quando elas apareceram na minha vida... na verdade, elas simplesmente apareciam na minha casa (meu pai era assinante das duas principais publicações do país). Lembro também quando elas passaram a ter realmente importância para mim (ele tentava escondê-las, mas algum de vocês já tentou esconder dentro de casa uma Playboy de um adolescente? Pois é: um esforço fadado ao total fracasso).

Uma coisa me chamava a atenção quase tanto quanto as beldades nuas que até hoje povoam minhas lembranças e fantasias: os textos que, via de regra, acompanhavam as fotos. Devo dizer que eles eram auxiliares valorosos já que falamos em fantasiar... Além das fotos havia sempre uma exaltação da beleza da mulher, mas não "a beleza da mulher" de modo geral ou genérico. Era a beleza DAQUELA mulher em especial... não que a maioria delas precisasse ter sua beleza narrada ou explicada (ok, vamos ser sinceros... algumas das moças realmente precisavam), mas as frases não se prestavam a isso. Elas celebravam aquela mulher e eu, nós, leitores, igualmente celebrávamos extasiados.

Eu sempre percebia que, quando se tratava de alguma atriz ou cantora famosa ser a estrela da revista, tais apontamentos eram assinados por gente que eu conhecia! Compositores, escritores, diretores, seus colegas atores e cantores... sempre homens que conheciam e conviviam com aquelas deusas que, para mim, eram feitas apenas de vinil, celulóide, raios catódicos, papel, tinta e sonhos. Eles garantiam para nós não apenas a existência daquela beleza, mas também a singularidade de suas existências. E eles conseguiam transmitir a ideia de uma contemplação admirativa de modo claro: eles não possuiam aquelas mulheres. Eles lhes eram íntimos da forma mais cruel que a minha mente então pueril poderia conceber: eles eram seus amigos.

Com o passar dos anos eu posso sem nenhuma modéstia me orgulhar de uma coisa: ser amigo de muitas mulheres. Amigo mesmo. Peço desculpa aos meus camaradas do sexo masculino, mas é notória a minha preferência por elas inclusive na amizade... Devo agradecer também ao sem-número de meninas e mocinhas que, desde sempre, me disseram: "eu gosto de você só como amigo". Sério, vocês não poderiam ter-me feito bem maior. Eu passei a entender tal condição como uma vantagem se não para conquistas, para meu aprendizado na vida. E sinto até pena de vários caras a quem vocês facilitaram demais o caminho e acabaram não aprendendo nada não só sobre as mulheres, mas sobre as pessoas. A verdade é que sou completamente apaixonado pelas minhas amigas, e o acaso me permitiu ficar cercado das mais belas mulheres que eu talvez apenas sonhasse conhecer quando garoto. Talvez também ter me tornado (ainda que de modo incomparavelmente mais modesto e alternativo) um frequentador de meios artísticos possa ter contribuído...

Mas hoje as coisas mudaram um bocado. As publicações mudaram de mídia e a velocidade faz com que tudo se torne sobreposto e superexposto. Pouco restou do espaço contemplativo da beleza e pouco resta à imaginação fantasiar.... Menos que claro, tudo está óbvio demais.

E agora, na minha vida adulta, volto a sentir inveja daqueles que tiveram a oportunidade e o espaço para louvar as deusas e tranformá-las em musas, aproximando-nas de nós, meros mortais, dando-lhes veracidade... E lamento por esta geração que perdeu a oportunidade da poesia em meios tão inusitados.


Alan Robert
21-04-2012


[texto em loas ao sublime trabalho do fotógrafo Jorge Bispo em seu projeto Apartamento 302. vale a visita, vale o apoio. vale o bom gosto]

terça-feira, 10 de abril de 2012

VALE O ESCRITO

“Vale o escrito!”, diz um velho ditado. A importância de uma palavra escrita em um papel dá ao homem uma impressão de que coisas abstratas como a verdade, a moral e mesmo os sentimentos como o amor têm um lado concreto.
Tudo há que estar escrito. Em papiros, papéis; na pedra, nos muros; em uma camiseta ou sobre o couro; na história ou nas estrelas. O homem se encontra, se descobre e se reconhece na palavra escrita.
Desde o Decálogo, onde o próprio Deus teria escrito as leis para a humanidade, até as palavras ocas dos “Minutos de Sabedoria”, o homem é o que está escrito de si e para si. Partindo desse pensamento, pode-se dar ao objeto “livro” uma importância mágica, sagrada. Tê-lo em nossas estantes ou nossas mãos nos dá a certeza de ser alguém diferenciado do resto. Somos os portadores do conhecimento.
O livro tem também uma grande importância por conceder ao seu possuidor um certo status e o material físico do livro também. Uma edição comemorativa, capa de couro, bordas em ouro, não tem as mesmas palavras de uma outra? Sim, mas o objeto tem sua importância. É o poder de dizer: “Eu tenho a edição limitada de Les Misérables!”.
“Um país se faz com homens e livros”, disse Monteiro Lobato. Uma cidade, para ser respeitada, deve possuir uma grande biblioteca. Entre as grandes malfeitorias da História figuram episódios de queima de livros; o incêndio da Biblioteca de Alexandria, as queimas públicas de livros promovidas por Hitler e Mao, como a Inquisição fazia queimar as mulheres que acusavam de bruxas. Pode-se aleijar toda uma sociedade usando apenas a censura.
Há também uma apropriação afetiva desse objeto. É uma coisa que podemos chamar de nosso, abraçar, disputar sua posse (“Devolva o Neruda que você me tomou e nunca leu”¹), que podemos usar para construir não apenas uma casa, mas um lar (“Onde eu possa plantar meus amigos/ Meus discos e livros/ E nada mais”²).
Esse objeto que é maior que nós, que dependemos dele para garantir nossa palavra (“Juro sobre a Bíblia”, eu prefiro jurar sobre um bom dicionário).
Nos livros encontramos palavras que tomamos como nossas e as copiamos em nossos diários, nossa memória (e dizer de cor) e, hoje em dia, tatuar em nossa própria pele.
É o que somos, é o que eu sou. Estava escrito nos papiros, nos papéis; na pedra, nos muros; em uma camiseta, marcado em couro. Está escrito na História. Estava escrito nas estrelas. Está nos meus livros na minha estante.


“Os livros na estante já não têm mais tanta importância,
Do muito que eu li, do pouco que eu sei, nada me resta.”
(Léo Jaime)

(Tradução de Alan Robert de texto de 08 de abril de 2008 do mesmo autor)

¹BUARQUE, Chico. Trocando em Miúdos
²RODRIX, Zé. Casa no Campo