Enquanto esperávamos o bourbon, que no fim das contas não veio, olhávamos e não víamos nada além de gente velha. Bem mais velha. E isso em uma fila. Eu me senti exatamente no meio da História do mundo: somando, provavelmente havia mil anos para cada lado de onde a gente se encontrava. Exceto por uma figura que, justamente por se destacar das demais, chamou a nossa atenção.
Meu amigo é um grande conhecedor de música. E simpático que só. Eu queria ser simpático, mas só finjo ser comunicativo - o que me dá alguns minutos de conversa com qualquer um até o temido silêncio. Mas ele não... E falando de Ednardo, Zé Ramalho, chamou a atenção da moça. Não tão moça assim, é verdade, mas pelas circunstâncias tratava-se de uma garotinha.
E a conversa seguiu. E a tal moça - loira, calças apertadas (por Deus, a mulher foi embalada a vácuo entre uma embalagem e outra de Café Palheta), óculos escuros e certo charme. E a mulher se entrosa, mas se entrosa tanto que em meia hora todos já parecem velhos conhec... Não, velhos não, já existem velhos demais na história. Enfim, parecem se conhecer há muito tempo.
Homem já é bicho bobo sozinho, e quando se junta, então? Foi o que aconteceu. Entre histórias de desilusão que (não) terminariam em um apartamento em Pendotiba, começam aqueles movimentos de sobrancelhas que só nós, canalhas e cafajestes, conhecemos.
- Vai que é tua - disse.
Qualquer incentivo nessas horas é o estopim. Pensar com a cabeça de baixo é sinônimo de que vai dar ruim. Mas o circo está armado. A barraca eu não sei, e sinceramente também não me interessa. Mas encontrar a louraça belzebu provocante, cuja tatuagem bem localizada indicava o mapa da mina, só faltava piscar feito um neon apontando "AQUI!", era questão de tempo.
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O capítulo final da saga é breve. Tão breve quanto a perspicácia da nossa amiga, a quem encontramos cercada por seus amigos da terceira idade. Acho que fiz mal em sentar ao seu lado, pude ter atrapalhado ali uma noite de aventura, mas enfim... Katia Flavia é fatal, e saca da bolsa um álbum de fotografias onde mostra a família. A mente maldosa do homem pensa: "Ela apresentou a todos, filho, filha... Não mencionou o marido".
Não havia mencionado também que era uma porta. Mas hipnotizado pela tatuagem, o músico mostra tudo: "Aquilo é um violão. Aquilo é um baixo. Aquilo é uma bateria. Aquilo é um microfone. Tá vendo esse desenho aqui? O nome disso é casa. O que tem na casa? Cama, sofá, conhece?", e assim por diante.
Até que o papo aconteceu bem. Papo de pouco tempo, mas, papo sério, se fosse mais tempo ia dar ruim mesmo. Eu provavelmente me levantaria - se não caindo em gargalhadas, revoltado com o mundo. O metrô da Cinelândia era logo ali, questão de tempo até eu cometer o ato final: suicídio.
A pepeca foi dançar, chamou o amigo... O amigo foi atrás, atiçado pelas ancas largas da muchacha, que bem poderia ser de Copacabana, é verdade... Podia ser um show do Caetano Veloso. "VOCÊ NÃO ENTENDE NADA" se encaixaria perfeitamente, valendo inclusive para piadas babacas. Se o camarada dissesse que dois e dois são quatro, ouviria um "HÃ?"
O show do Capital Inicial proporcionou alguns bons momentos naquela noite, entre piadas que passaram batidas e algumas explicações e aulas básicas de conhecimento: chão, teto, mesa, cadeira etc. Dinho Ouro Preto, que havia caído do palco e batido a cabeça, deixou de ter a comiseração de Katia Flavia. Tudo porque ela sumiu... Meu amigo se deu mal. Quem disse que a pepeca "sentiu muito pelo Dinho" naquela noite?
Um comentário:
Muito obrigado, Guigo. De verdade. Eu nunca saberia contar uma história com tal maestria e sagacidade.
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